A corrupção na Venezuela e o aumento no uso de criptomoedas

As sanções dos EUA, a inflação descontrolada e a corrupção governamental criaram um pesadelo econômico na Venezuela. Apesar de uma projeção de crescimento de 2,5% para 2024, o país ainda enfrenta muitos desafios para reduzir os altos índices de pobreza da vida de sua população. A principal fonte de renda, o petróleo, permanece em níveis baixos de 2,3 milhões de barris/dia, muito inferior aos 3,5 milhões registrados no final da década de 90. Com a escassez de investimentos estrangeiros e a fuga de capitais, o país também enfrenta problemas estruturais. Além disso, os EUA, em resposta à associação do Governo de Maduro com o tráfico de drogas, corrupção e lavagem de dinheiro, aplicaram sanções internacionais ao país, isolando-o ainda mais de investimentos estrangeiros. O país foi considerado o segundo maior corrupto do mundo conforme análise do Corruption Perceptions Index 2023, perdendo apenas pra Somália.

Em uma escala de 0 a 100, quanto mais próximo de 0 mais corrupto o país será.

A tentativa do governo em lançar uma criptomoeda estatal

O governo Venezuelano, sob a liderança do Presidente Nicolás Maduro, tentou lançar uma criptomoeda estatal, o Petro, em 2018. Embora as criptomoedas serem ativos descentralizados com o objetivo de impulsionar a liberdade e acesso a uma economia digital, aumentar a transparência e diminuir o controle centralizado, a intenção de Maduro era totalmente o contrário, direcionando o uso da criptomoeda para desviar das sanções impostas pelos EUA, praticar atos de corrupção e desvios com lavagem de dinheiro.

O documento informativo (whitepaper) da Petro, afirmava que a criptomoeda seria usada para pagamento de taxas e serviços públicos, beneficiando toda a população Venezuelana. O Governo informava no documento, que o seu lançamento arrecadaria por volta de 6 bilhões de dólares ao redor do mundo. Porém, não mais que 735 milhões de dólares é o que se tem registrado do arrecadado. Com características totalmente contrárias às criptomoedas reais, o Petro adotando a fixação de preço arbitrariamente pelo governo Venezuelano e carecendo de informações sobre o montante em circulação, a Petro estava próximo ao colapso.

Símbolo da criptomoeda venezuelana: Petro.

Lamentavelmente, a tradição com a corrupção do governo venezuelano esgotou o grande potencial que uma criptomoeda nacional teria em benefício da população. Ao invés de desfrutar de toda essa revolução tecnológica, o governo venezuelano preferiu desviar bilhões em atividades ilícitas, que vão desde de tráfico de drogas à exploração ilegal de ouro. Entretanto, apesar do governo tentar controlar e centralizar o uso das criptomoedas, as mais comuns do mercado, como o bitcoin e o ethereum, resistem e desempenham um papel facilitador e inclusivo na vida de milhões de Venezuelanos.

O excessivo abuso de poder

A massiva centralização e ausência de transparência, eram lideradas pelo órgão governamental estabelecido denominado SUNACRIP (Superintendencia Nacional de Criptoactivos y Actividades Conexas). Regulamentando as corretoras atuantes no país, ficava evidente como a implantação desse sistema pouco se comprometia com a população Venezuelana e dedicava seus esforços fielmente às malícias da corrupção. Aplicação de altas taxas entre transações, como a de 15% para remessas, já demonstrava o interesse governamental em sugar mais ainda a pobre população do país. Além disso, estudos analíticos realizados posteriormente por empresas como a Chainalysis revelaram que haviam corretoras no país que tinham mais de 75% de suas operações em transações superiores a 1.000 dólares, que é muito superior a média de ganho de maior parte da população, evidenciando que essas transações eram na verdade de natureza ilícita.

Um país em que tem uma das energias mais baratas do mundo, o qual inicialmente atraiu a atenção de muitos mineradores de criptomoedas, servindo até mesmo como um boa fonte de renda alternativa para sua população. Porém não demorou muito para que o Governo de Maduro, sob coordenadas da SUNACRIP anunciasse em 2020 que seria necessário que os mineradores obtivessem licenças com duas novas entidades. Ademais, toda mineração no país seria obrigado a dividir as suas recompensas de mineração com um bloco do governo controlado pela SUNACRIP. Qualquer minerador que não participasse, estaria sujeito à graves penalidades. O pior iniciou quando o governo venezuelano passou a apreender os equipamentos de mineração da população e então usá-los em benefício próprio, inaugurando meses depois centros de mineração em operação conjunta entre unidades militares e a SUNACRIP.

“Esse foi o início de uma operação mafiosa estatal muito maior na Venezuela. Anos mais tarde, depois que eu escapei da prisão domiciliar e, eventualmente, da Venezuela, conheci um bitcoiner venezuelano que teve que deixar o país depois que seus mais de 6.000 computadores de mineração foram apreendidos e depois operados pelo SEBIN (Polícia Política Venezuelana).”

Leopoldo López, National Coordinator of the Voluntad Popular political party, Venezuela.
Fonte: 4. WilsonCenter

O colapso do ecossistema cripto governamental

Relatórios iniciais indicaram que entre 3 e 20 bilhões de dólares desapareceram das contas da PDVSA, levando a conclusão que tais montantes foram contrabandeados com ajuda de membros da SUNACRIP. A partir de março de 2023, Centenas de trabalhadores da SUNACRIP foram demitidos e o chefe da SUNACRIP foi preso. O Ministro do Petróleo renunciou. A população venezuelana reclamava nas redes sociais que suas criptomoedas estavam indisponíveis nas corretoras controladas pelo governo. Maduro com medo de toda a avalanche que formava o setor, interrompeu a mineração no país e prometeu uma reestruturação em 6 meses. Prorrogado por mais 6 meses, Maduro acabou sendo forçado a reconhecer publicamente o escândalo, colocando a culpa em forças externas e afirmando estar trabalhando para proteger o povo venezuelano dos efeitos negativos.

Em 15 de janeiro de 2024, Após fracassadas tentativas, o governo venezuelano finalmente decidiu encerrar oficialmente a Petro. O projeto que já começou errado com características fundamentais contrárias ao universo das criptomoedas, terminou em ruínas com prisões, renúncias, mortes e prejuízo à famílias venezuelanas que acreditaram nas promessas de falsa inovação e prosperidade.

O uso de stablecoins

Após a tentativa fracassada de criar uma criptomoeda estatal, o Governo da Venezuela não desistiu completamente de utilizar criptomoedas para transações comerciais, em especial para liquidação de contratos internacionais de petróleo e combustíveis, em que o dólar é a moeda padrão. Porém com a sanção dos EUA, o Governo adotou a stablecoin Tether (USDT), criptomoeda pareada com o dólar americano, como moeda de troca e venda de petróleo pela empresa estatal venezuelana de petróleo, a PDVSA.

[congelamento pela Tether]

A população finalmente sendo beneficiada

Não apenas o governo, mas também a população foi impactada pelas sanções dos EUA, de modo que o povo fica impedido de realizar transações em contas bancárias internacionais. Desse modo, as remessas de criptomoedas enviadas por familiares no exterior aumentaram, representando 9% dos US$ 5,4 bilhões enviados em 2023, totalizando US$ 461 milhões. Tradicionalmente enviadas por serviços como Western Union, as remessas enfrentam problemas como taxas elevadas e demora para concluir a transação.

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Em 2024, relatórios indicaram que o governo tentava usar criptomoedas para o comércio de petróleo, levando a Tether a congelar ativos de USDT da Venezuela conforme as sanções. O país também enfrenta escassez de energia, levando a proibições de mineração de criptomoedas em 2024 devido ao impacto na rede elétrica em crise.

Previsões para o futuro

A Venezuela sujou ainda mais sua imagem no cenário internacional, por ser um país que infelizmente é rico em petróleo, mas com líderes criminosos e corruptos, demonstrou como a ganância e luxúria podem transformar inovações tecnológicas em desastres diante da prática de desvio de verbas e lavagem de dinheiro. Bilhões que poderiam terem sido investidos em benefício do povo Venezuelano, no desenvolvimento de um sistema financeiro mais inclusivo, na melhoria e construção de mais infraestrutura e geração de empregos no país, acabou por financiar a criação de mais de 100 empresas fantasmas ao redor do mundo para lavagem de dinheiro e compra de imóveis de luxo, aeronaves e iates. Uma quantidade enorme de fluxo de dinheiro saindo do país o qual metade da população vive com menos de 100 dólares por mês.

Fontes:

  1. CoinTelegraph https://br.cointelegraph.com/news/crypto-remittances-venezuela-surge-economic-situation-worsens
  2. CoinTelegraph https://br.cointelegraph.com/news/venezuela-uses-cryptocurrencies-to-circumvent-us-economic-sanctions
  3. Forbes: https://www.forbes.com/sites/eliasferrerbreda/2024/03/06/venezuelas-crypto-rebirth-interview-with-enrique-de-los-reyes
  4. WilsonCenter: https://www.wilsoncenter.org/publication/crypto-venezuela-two-sides-coin

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